Pascoal tem medo do tempo.

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Desde quando foi informado sobre a condição irremediável em que o tempo se encontra, Pascoal o temeu. Medo desde sempre, porque não é outro o sentimento evocado por aquela entidade que, condenada a não parar, arrasta por onde passa tudo o que é estabelecido, transformando coisas em ex-coisas e fazendo com certos sentimentos exatamente o que a Prefeitura de Salvador faz com barracas de praia.

Pascoal tem medo do tempo, mais precisamente do tempo como conceito. Porque tão logo foi informado sobre a sua soberania, desejou não saber. Reclamou do informante. Preferia desconhecer que o tempo possui a cura para as dores mais intensas e a dor para as saúdes aparentemente mais inabaláveis. De importante, sentiu-se impotente quando concluiu que o poder não estava em suas mãos, bastando pra isso raciocinar só um pouquinho.

Ele vê a vida como uma cadeia interminável de ipsilons. Após caminhar por determinada trilha, o tempo lhe prepara uma emboscada, deixando-o na mão entre duas (ou mais) possibilidades de "novos rumos", sem nota fiscal, garantia ou seguro viagem. Pascoal quer prever o que acontecerá caso siga por um caminho ou por outro e o tempo não libera a informação de jeito nenhum! Situação pior é quando, desatento, abandona o vértice e muda a direção e só fica sabendo quando o tal tempo lhe informa.

Pascoal é inseguro pra caramba e toda vez acredita que a decisão mais correta é sempre a que ele não tomou. Borra as calças sempre que é obrigado a reconhecer o senhorio do tempo sobre a razão e treme mais ainda quando não vê razão nas coisas que o tempo lhe traz. A situação é ordinária, recorrente: quando tudo é confusão e pouca coisa faz sentido, a frase mais dita por amigos simples e por simples amigos é: "Confia que, no final, tudo vai dar certo". Como assim, "tudo vai dar certo", cara pálida? O regime do tempo é totalitário, seu poder intransferível e ele não costuma compartilhar com ninguém as decisões que vai tomar. Não tem assessor, orientador ou conselheiro. Não compõe colegiado nem integra comissão consultiva.

O tempo é o tempo! Autosuficiente, não faz campanha na eleição. Mais que isso: não se submete a aprovação de ninguém. É sobre tudo e sobre todos, inclusive sobre quem acha que o controla. Pascoal não usa relógio, não gosta de fotografia, não comemora aniversário e evita o espelho, alegando serem a própria encarnação do tempo e, enquanto tais, dignos de repulsa. Na contra-mão de quem prefere se aliar ao inimigo, Pascoal não conta com o "mano velho" pela madrugada.

Talvez a vida ainda ensine a Pascoal que descansar é mais fácil, mais saudável ou, definitivamente, a única coisa a se fazer. Talvez o próprio tempo se mostre favorável ao homem e vá, aos poucos, tirando a força da insegurança que o aprisiona, convertendo-a em um irresistível apreço pelo desconhecido, sem se estressar muito com o que for ficando pelo caminho. Caso isto não aconteça, permanecerão as ponderações nas pernas dos ispsilons e importantes decisões continuarão sendo penosas. O amanhã, inevitável que é, seguirá sendo objeto do seu receio, do seu cuidado e o motivo maior das suas desregulagens intestinais.





6 comentários:

Unknown disse...

Muito legal. Assim como Pascoal eu morro de medo do tempo. Porque ele já me mostrou do que é capaz. E olha, eu posso dizer, ele é capaz de absolutamente tudo.

Beijo!

Márcia Liguori disse...

Mais uma vez adorei.
Algumas vezes a vida ou os outros transformam nossos Y em I, onde só temos um caminho a seguir e nessa hora o TEMPO é o único aliado. Com ele as coisas abrandam, os anseios se acalmam e só assim passamos a ver a luz que entra pela fresta da porta do quarto escuro.
O tempo visto desta forma passa a ser um grande empreendedor, levantando edificação devastadas, arrancadas pelos furações da vida.
TEMPO? Prisão ou libertação? Non lo so... cambia quando cambia lo sguardo.

Unknown disse...

1. "- E que importância tem isso? - exclamou Dorian Gray, a rir,
sentando-se num banco ao fundo do jardim.
- Devia ter muita importância para si, Mr. Gray.
- Porquê?
- Porque tem uma juventude deslumbrante, e a juventude é a
única coisa que vale a pena ter.
- Não penso assim, Lord Henry.
- Pois não, não pensa assim agora. Um dia, quando for velho,
enrugado e feio, quando o pensamento lhe tiver sulcado a
fronte de rugas, e a paixão, com suas chamas medonhas, lhe
tiver crestado os lábios, sentirá então uma impressão
terrível. Agora, aonde quer que vá, consegue seduzir todas as
pessoas. Mas será sempre assim? Tem um rosto de beleza
deslumbrante, Mr. Gray. Não precisa de fazer esse ar tão
contrariado. É verdade.

E a Beleza é uma forma de Génio, sendo mesmo superior ao génio, pois não necessita de ser explicada.
Ela faz parte dos grandes elementos do universo, como a luz do sol, a Primavera, ou o reflexo nas águas nocturnas, dessa
concha de prata a que chamamos lua. Não pode ser contestada.
Tem o direito divino de um soberano. Transforma em príncipes
os que a possuem..." [...]

Unknown disse...

2.

"Sorri?
Ah, quando a tiver perdido, deixará de sorrir...

Por vezes,
ouve-se dizer que a Beleza é apenas superficial. Talvez seja.
Mas, ao menos, não é tão superficial como o Pensamento.

Considero a Beleza a maravilha das maravilhas. Só os fúteis
não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é
o visível, e não o invisível. Sim, Mr. Gray, os deuses
foram-lhe favoráveis. Mas os deuses dão agora, para tirar
depois. O senhor tem tão-somente alguns anos para poder viver
a vida em real plenitude. Quando a mocidade se for, com ela
irá a sua beleza, e, então, cedo descobrirá que não lhe
restaram êxitos, ou terá que se contentar com os êxitos
insignificantes, que a lembrança do passado tornará mais
amargos do que às derrotas. À medida que os meses vão
minguando, eles vão-no aproximando de algo terrível. O tempo
tem ciúmes de si, e faz guerra à primavera dos seus anos.
Então, ficará com a pele macilenta, as faces encovadas e o
olhar mortiço. Irá sofrer tormentos... Ah! Tome plena
consciência da sua juventude enquanto a possuir". [...]

Unknown disse...

3.
"Não esbanje o
ouro dos seus dias a dar ouvidos a gente maçadora que tenta
aproveitar o fracasso irremediável, nem perca o seu tempo com
os ignorantes, os medíocres e os boçais. São esses os
objectivos doentios, os falsos ideais dos nossos dias. Viva,
viva a vida maravilhosa que existe em si! Não desperdice
nenhuma oportunidade, procure sempre novas sensações. Não
tenha medo de nada... Um novo Hedonismo - eis o que faz falta
ao nosso século. O senhor podia ser o seu símbolo vivo. Com
essa sua personalidade, não existe nada que não possa fazer. O
mundo pertence-Lhe por um determinado tempo... No mesmo
instante em que o conheci, Mr. Gray, vi que o senhor não tinha
consciência da sua verdadeira natureza, nem do que poderia
ser. Havia em si tantas coisas que me fascinaram, que achei
que devia falar-lhe de si. Pensei que seria muito trágico se
se fosse perder. É que é tão breve o tempo de duração da sua
mocidade... tão breve. As vulgares flores silvestres fenecem,
mas voltam a florir. Este laburno estará tão amarelo em Junho
do ano que vem como está agora.31

No espaço de um mês, a clematite ficará coberta de estrelas
cor de púrpura, e, ano após ano, a noite verde das suas folhas
vai segurar as mesmas estrelas avermelhadas. Mas nós nunca
recuperamos a nossa mocidade. O pulsar de alegria, que em si
lateja aos vinte anos, perde o vigor. Os nossos membros
tornam-se débeis, os sentidos definham. Vamos degenerando até
nos transformarmos em fantoches hediondos, perseguidos pela
lembrança das paixões que tanto temíamos, e das requintadas
tentações a que não tínhamos coragem de ceder. Ah,
juventude... juventude!

Não há absolutamente mais nada no
mundo, senão a juventude.
"

Unknown disse...

Se Pascoal batesse um papo com Lord Henry, certamente se mataria.