O (des) encontro.

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Após o centésimo dia com a canga enrolada ao pescoço, Domenico resolveu, sem antes ponderar muito, retornar à Itacaré. Decidido a reencontrar a moça que o fascinara e colher do acaso os frutos que este estivesse disposto a lhe dar, bancou na cara e na coragem o risco de fazer papel do chileno Gonçalo e deparar-se com decepcionantes descobertas, sob pena de apodrecer um sentimento que, àquela altura da vida, lhe devolvia a capacidade de enxergar as cores do mundo. E isso era sério e belo demais para ele se manter inerte no sofá da sua casa, enquanto uma forte porção de felicidade poderia estar à sua espera. 

Em outras palavras, Domenico aprendeu na marra que a vida ainda poderia lhe ser benfeitora e preferiu acreditar que a mediocridade jamais é a melhor opção.

Rumou para o Litoral Sul da Bahia com a confiança acelerando o pedal direito e chegou à mesma praia do encontro por volta das 16:00hs da primeira quarta-feira de agosto.  Logo na varredura inicial do seu olhar, identificou um homem sentado sob um coqueiro, observando o mar com pose de surfista de folga. De imediato, a semelhança entre ele e aquela pessoa chamou a sua atenção e, à medida em que ia aproximando-se, a situação ia ganhando contornos cada vez mais surpreendentes.

  - Você sou eu? Quem é você?

 Era Pascoal. O que temia o tempo. Estava com expressão de cansaço extremo, olhos quebrados, notoriamente desesperançado.

  - Eu sou você sim. E sou Pascoal também. Senta aí que eu preciso levar um papo contigo.

  - Você me conhece? - Domenico parecia não acreditar na sua imagem espelhada à beira mar.

 - São raros os casos em que a gente fica sem se conhecer depois de tanto tempo. Domenico, eu sou Pascoal, a sua versão desiludida. Senta aí.

Domenico foi sentando:

 - Mais doído que eu?

 - Bem pior: com a sua dor e sem luz no fim do túnel. Esquece a canga. O tempo é implacável! 

Domenico parou. A vida só poderia estar brincando com ele. Mesmo ciente dos riscos, ele não estava preparado para ver sua esperança desconstruída tão rapidamente. Em uma atitude de reflexo imediato, preferiu desacreditar em Pascoal para escapar da dor de não ter a moça da canga, o que certamente transformaria a sua vida cinza como estava em um brêu total!

 - Eu vou achar essa mulher. Ela não me cativou tanto à toa. Não é possível que tudo isso aconteceu por acaso.

 - Você não vai achar essa mulher! Esquece! É tempo de dor! Cada vez mais, cada dia com mais ingredientes, com doses novas e renováeis de decepção e tentativas frustradas. Estão assaltando a sua vida, Domenico, e parece que isso não vai parar por agora. É tempo de perder! Em todas as áreas!

 - Vai piorar?

 - Não sei! E morro de medo de quem sabe!

E fez-se o convencimento. Pascoal atingiu a confiança de Domenico, assassinando a esperança e multiplicando o mal estar do barrigudo. Como quem não enxerga nenhuma opção um palmo além do próprio nariz, os dois choraram copiosamente enquanto o sol se punha. O mar se manteve alheio àquela dor binária e continuou encharcando ciclicamente a areia a poucos metros de onde estavam. Pascoal viu o objeto do seu medo se configurar real e Domenico experimentou a sensação do quase nada perder o quase. 


Espontaneamente, as expressões dos dois homens se igualaram e os dois soluçavam como uma orquestra bem ensaiada, feito homem-sombra dos bons.


Sol quase totalmente caído no horizonte, praia já escura, os dois levantaram a cabeça simultaneamente e com os olhos inchados, enxergaram o próprio reflexo refletido no rosto do outro. A expressão era de surra, maltrato, dor, cansaço e pessimismo. Estavam inaptos para o sorriso e para o ânimo. Amargos, cambaleantes, com um bolo comichando o peito. 

- Solta a canga!  - solicitou Pascoal, lembrando Domenico da tarefa que lhe cabia naquele momento.

O homem desenrolou o pano do pescoço, o pôs sobre a areia e observou sentado, cada vez mais longe, a dança que o vento impunha à canga. Novas lágrimas correram rostos a baixo, enquanto a noite tomava conta da praia.


















1 comentários:

Márcia Liguori disse...

Vc está ficando cada vez melhor nisso! Que dia sai o próximo? Sabe aquela curiosidade boa? Pois, to aqui na espera da janela pelo próximo texto.
Os personagens que ganharam vida e passearam entre suas palavras, agora vão além, desfilando de um texto a outro... inacreditável criatividade e sensibilidade.
Só peço uma coisa: NÃO PARE!!!!!