Acabei de assistir. Espantosamente bom! E dentre as sensações que sempre me impulsionaram a escrever, está o estado de comoção que um filme interessante causa em mim. A comoção aliás, é a rainha dos meus textos, a genitora-mor. É difícil não me refugiar no paredão que as palavras conjugadas me oferecem. Quando a comoção é dor, escrever é o analgésico imediato; quando é crítica, escrever me parece o passo evidente; quando é saudade, nada melhor a fazer. Mas quando é alegria...bem...aí eu raramente escrevo! A felicidade me insensibiliza, me deixa estéril. Perder é muito mais intenso pra mim. Eu traio a escrita quando estou feliz, esqueço dela.
A Pequena Miss Sunshine me trouxe isso à mente, quando em um diálogo memorável entre dois dos seis protagonistas do filme, Frank consola Dawyne pela indesejada descoberta que o último acabara de fazer. Citando a vida e a obra do escritor francês Marcel Proust, o primeiro faz referência a uma declaração oportuna do autor, que dizia em linhas gerais que: os fracassos, as derrotas e o sofrimento lhes eram muito mais proveitosos do que os momentos de felicidade. Ensinavam muito mais e eram dignos de devida reverência. Tal valorização da dor me tocou bastante, apesar de não ser inédita para mim - já que não é de hoje que cantorolo o refrão de uma música de Pato Fú, que diz exatamente a mesma coisa. "Das brigas que ganhei nem um troféu como lembrança pra casa eu levei. Das brigas que perdi, essas sim, eu nunca esqueci."
Frank é um professor universitário, que tentou o suicídio recentemente por não se conformar em ser abandonado pelo namorado. Dawyne é um adolescente fã de Nietzche, que fez voto de silêncio até conseguir ingressar na Força Aérea norte-americana. Frank é irmão da mãe de Dawyne, a esforçada Sheryl, uma dona de casa que luta de todas as formas para promover a integração entre os membros da família, que ainda conta com o seu marido Richard (um desventurado vendedor de plano motivacional), seu sogro Edwin (ex-combatente de guerra que foi expulso de um asilo por ser viciado em drogas), e sua filha Olive (a caçula da família, que é vislumbrada por concursos de beleza).
A narrativa se desenvolve a partir de um concurso de beleza infantil, cujo nome dá título ao filme, e que será concorrido pela pequena Olive. Como o evento se realizará a quilômetros da cidade onde a família reside, todos embarcam na Kombi velha de Richard, rumo à cidade da disputa, e vivem uma experiência hilária de desacertos, conflitos de personalidade, e acima de tudo, de aceitação mútua.
O ideal imperialista norte-americano (de vencer sempre) é posto a todo momento à prova através das derrotas particulares de cada personagem, que compartilham incoscientemente a experiência de seguir adiante (ainda que obrigados pelas circunstâncias que a vida impõe), a despeito do desânimo e das decepções. Com isso, não estou querendo dizer que a Pequena Miss Sunshine é uma apologia aos losers, mas uma grande metáfora, que visa, entre outras coisas, denunciar que a existência humana está fadada ao fracasso, em proporção não necessariamente menor do que à glória. Proust e esse blog agradecem.
5 comentários:
Gosto muito desse filme. Não pq nos dá lições, mas pq mostra o q a gente naão tá cansado de ver... O final é cômico!!!
Eu me vejo em Olive... me identifiquei no primeiro momento em que a vi... não sei se pela opção física ou se pela coragem e astúcia de seguir seus ideais não se importando com os demais, buscando e arrecadando forças para tentar atingí-los. Maravilhoso filme.
Dwayne is my favourite one.
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Mas eu acho que você se comoveu mais pela identificação com o personagem daltônico, camaleão.
Primeiro aluguei o filme pq vi a foto da capa aqui no bloq (Sem ler a matéria). Minha cunhada o viu primeiro e me disse com ênfase: "Cunhadinho que filme ruim é aquele, poxa horrível". Rapaz, isso bate no coração de qualquer Ser, com um ton de fracasso, decepção e já fiquei sem a minima vontade de o assistir, pensei logo aluguei o filme errado(pq n tinha gravado o nome e sim a capa amarela). Aluguei 3 e ele caiu 2 posições depois do dito comentário.
Após não ter mais opção fui então ao dito cujo...
E me surpreendi desde o inicio, com as metáforas, humor e lições apresentadas no enredo do filme. (Achei que tava ficando maluco, como sou por filmes)...
Fiquei depois pensando como eu adorei e minha cunhada odiou ???
Me veio uma simples resposta. Sensibilidade para compreender coisas ocultas ou não obvias, só conseguir achar isso na minha mísera "inteligência".E a ironia de não levar a risca, o comentário nem da minha cunhada. rsrsrsrs
Valeu hugano !!!
Hi, Bob!
Já tinham me indicado o filme. Agora, tendo lido o seu texto, decidi assití-lo o quanto antes.
Imagina: eu, estóico desertor pré-pós-tudo, como não me sentir combalido com o trecho em que você fala em seguir adiante apesar do desânimo e da decepção?
Conheci o seu blog há cerca de um mês e estou encantado. Literatura vigorosa, hein, véio?
Que Deus lhe guarde!
Abraços e força sempre!
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