DISCURSO DE PERDEDOR

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Resolvi pensar sobre a derrota às 3 da manhã. 03:02, pra ser mais exato. E pra ser mais exato ainda, permitam-me retirar o verbo “resolver” da primeira sentença porque nunca os meus pensamentos - em especial os que se convertem em linhas de texto - são resultado de deliberação minha. Portanto, às 03:02 da manhã de 03 de fevereiro, eu me peguei pensando sobre a derrota, mais especificamente sobre o exercício de perder bem.

Acusem se eu estiver equivocado: nós nascemos, crescemos e desenvolvemos as nossas sociabilidades fundamentados, dentre outros postulados básicos, na máxima de que a satisfação das nossas ambições constitui-se a mola propulsora da existência. Desde cedo assimilamos a construção dessa entidade pueril e abstrata chamada “felicidade“ como sendo algo conquistável, passível de ser atingida a depender da adoção de atitudes corretas ao longo da vida. A partir disto, encontramos um arcabouço multifacetado de correntes religiosas, livros de auto-ajuda, vozes autorizadas, gurus, videntes, palestrantes, CEO´s, treinadores de alto rendimento, todos empenhados na formulação de receitas para o sucesso que leva à felicidade.

No pilar desse suposto “sentido da vida”, a partícula elementar é a dedicação à vitória. Quem já tem arquitetado os seus planos para o futuro, deve lutar para realizá-los. Quem padece da dificuldade de estabelecer metas a curto e longo prazo é, via de regra, coagido a desenhar o mais rápido possível a configuração ideal do seu porvir para, a partir daí, passar a perseguir as microvitórias e as vitórias de lascar a boca do tambor que, combinadas, conduziriam o homem à sua plenitude. Somos obrigados a nos apaixonar por algo, a construirmos expectativas sobre as coisas, pessoas e resultados.

 Dedicamo-nos a sermos os melhores, mais capacitados, elevamos o termo “diferencial” a posições sacrossantas e a expressão “concorrência” torna-se o combustível desse cenário. 

Sem querer, estabelecemos uma relação absoluta entre vencer e ser feliz, o que constrói uma espécie de “ditadura da conquista”, como se a existência de vencedores não presumisse, por si só e necessariamente, a aparição da classe oposta.

Quero me ater propriamente às decepções causadas a partir deste adestramento. Ora, caso a gente viva realmente para ser feliz e caso o alcance desse status esteja relacionado à necessidade de vitórias e à satisfação de desejos, alguém precisa levantar uma placa em caráter de urgência e mandar parar tudo. A menos que só eu perca nessa vida. A menos que só eu me sinta incompleto e insatisfeito quase sempre. E a menos que “entrar em greve” seja exclusividade do meu bem estar e da Polícia Militar da Bahia.

Proponho perdermos bem. Encarando os reveses como parte indissociável da vida, aprendendo com eles e naturalizando-os. Caso contrário, o que fazer com o atleta que, como o Vitória, não ganha nada, por mais que treine e se dedique? Como tratar o jovem que não consegue passar em medicina na faculdade pública? O que dizer para as pessoas de idade avançada que não encontraram seus pares e provavelmente não encontrarão mais, exceto se forem os protagonistas de “O Último Romance”? Como nos manteremos saudáveis diante das nossas derrotas, diante das nossas perdas? Como é que a gente vai ficar em paz se a vitória for o sentido da vida e derrotas começarem a minar o nosso chão?

Proponho perdemos bem. Ainda que essa proposta não seja autobiográfica. E, já às 04:30hs da manhã, ainda que isso tudo não passe de discurso de perdedor.  

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