Lana era uma belga erradicada no Mississipi que aprendeu a ser fã de Calypso nos dois anos do seu intercâmbio em Belém do Pará, realizado em 2005. Agora, já em 2008, era carnaval no Brasil, e decidiu conhecer a festa de Salvador para finalmente concretizar um desejo antigo, alimentado pelos seguidos bons comentários que ouvia a respeito da alegria do povo baiano, especialmente durante os dias do festejo.
No avião, a caminho da teceira maior capital tupiniquim, ouvia em seu Ipod músicas que uma amiga baiana lhe havia enviado via Sedex, compartimentadas no próprio player, que também fazia parte do presente. Em execução um pouco de cada ícone da música baiana, uma pincelada dos maiores sucessos das maiores bandas de todos os tempos, e da última semana.
Lana ouvia as músicas e se deliciava com o ritmo que lhe invadia a alma através do fone. A batida dos tambores, a sincronia dos instrumentos percussivos, a potência vocal das cantoras, a capacidade dos vocalistas de contagiar empolgação, mesmo nas gravações feitas em estúdio, tudo aquilo deixava a belga embasbacada. O ritmo e a melodia da música baiana lhe agradava, e não via a hora de desembarcar logo em Salvador para sentir ao vivo aquela pulsação musical.
Porém, há de se destacar, havia algumas canções dentre as armazenadas no aparelho, que lhe chamaram a atençao por outro motivo: elas pareciam, caso o seu português não tivesse atingido o grau máximo de mediocridade, ofender as mulheres de forma contundente. Em um primeiro momento, imaginou que os tão competentes músicos baianos não poderiam cantar aquelas letras à toa, e chegou a crer num estágio tal de degradação da mulher local, que fizesse daquelas letras algo extremamente justo. Mas aí lembrou da sua amiga que a esperava no aeroporto, constatou que nada naquelas palavras descreviam quem ela realmente era, passou a achar a sua primeira idéia absurda e preconceituosa, e a deixou de lado. Haveria de pedir eslcarecimento a algum perito.
Desembarcando na capital da alegria, encontrou a tal amiga, que a conduziu até o seu apartamento. O afã do re-encontro não permitiu que o assunto fosse tratado imediatamente, ganhando espaço apenas na ociasião da volta da primeira noite de folia. No apartamento, moídas pelo ritmo alucinante que o frenesi impõe, Lana questiona sua anfitriã:
- Alguns músicas daqui falar mal de mulheres. Por que?
- Que nada, amiga. É normal, tudo não passa de uma brincadeira. O que importa mesmo é o ritmo, a alegria. As letras ficam em segundo plano. Tudo não passa de uma brincadeira. Liga não...
- Mas é estranho..parece que homens daqui ter raiva das mulheres. E mulheres gostam.
- Esquece isso, Lana.
As noites seguintes continuaram sendo de muita dança, pulo, grito, êxtase e delírio. A belga confirmou o que diziam do Carnaval de Salvador em tom de concordância absoluta. Aqueles dias ficariam para sempre gravados em sua memória.
Mas era hora de voltar. As cinzas já haviam inundado a quarta-feira e, de volta ao aeroporto, à espera do seu vôo de retorno aos EUA, presenciou uma briga de casal digna de filme francês. Aos gritos e xingamentos, o homem parecia ampliar significativamente a faixa do vocabulário que dá conta dos escárnios e agressões verbais, endereçando as mais terríveis expressões a uma moça que aparentemente se apresentava como uma possível namorada. Gesticulava, veias recortando o pescoço, tomado por um descontrole emocional mensurável pelo grau do vermelho que se lhe apoderara dos olhos.
- Safada! Pilantra! (E, como se frutas dependessem de pilhas para brotarem dos pés) Pilha de uma fruta! - era o texto introdutório das seguidas e variadas expressões neologizadas durante o momento de fúria.
A mulher expelia um som de espanto, gerado pelo ato de puxar repentinamente a respiração para dentro, algo comparável à uma crise asmática:
-Ããããããããããããhn?!
O orador das asneiras batia o pé no chão, alterado, socava uma das mãos espalmadas, esbofeteava o rosto da mulher em ré maior, num estalo agudo de caixa de bateria. E tudo era inacreditavelmente harmônico. Percussivamente sincronizado. Ritmicamente viável.
Lana via aquilo com o ar de incerteza com o qual haveria de retornar ao Mississipi. Aquilo em sua terra era agressão aos olhos dos menos atentos e dos mais detalhistas. Na Bahia não. Qualquer estrangeiro julgaria ser briga, mas podia não passar de performance de dois foliões que não aceitvam o fim da festa. Ela não havia de pagar o mico de tentar socorrer a moça achando que eles estavam, de fato, se desentendendo. Por mais excessivo que parecesse ser aquele número, ela não passaria vergonha em pleno aeroporto.
Embarcou no avião segundos antes da chegada dos policiais, que acolheram a mulher e levaram cativo o compositor.
No avião, a caminho da teceira maior capital tupiniquim, ouvia em seu Ipod músicas que uma amiga baiana lhe havia enviado via Sedex, compartimentadas no próprio player, que também fazia parte do presente. Em execução um pouco de cada ícone da música baiana, uma pincelada dos maiores sucessos das maiores bandas de todos os tempos, e da última semana.
Lana ouvia as músicas e se deliciava com o ritmo que lhe invadia a alma através do fone. A batida dos tambores, a sincronia dos instrumentos percussivos, a potência vocal das cantoras, a capacidade dos vocalistas de contagiar empolgação, mesmo nas gravações feitas em estúdio, tudo aquilo deixava a belga embasbacada. O ritmo e a melodia da música baiana lhe agradava, e não via a hora de desembarcar logo em Salvador para sentir ao vivo aquela pulsação musical.
Porém, há de se destacar, havia algumas canções dentre as armazenadas no aparelho, que lhe chamaram a atençao por outro motivo: elas pareciam, caso o seu português não tivesse atingido o grau máximo de mediocridade, ofender as mulheres de forma contundente. Em um primeiro momento, imaginou que os tão competentes músicos baianos não poderiam cantar aquelas letras à toa, e chegou a crer num estágio tal de degradação da mulher local, que fizesse daquelas letras algo extremamente justo. Mas aí lembrou da sua amiga que a esperava no aeroporto, constatou que nada naquelas palavras descreviam quem ela realmente era, passou a achar a sua primeira idéia absurda e preconceituosa, e a deixou de lado. Haveria de pedir eslcarecimento a algum perito.
Desembarcando na capital da alegria, encontrou a tal amiga, que a conduziu até o seu apartamento. O afã do re-encontro não permitiu que o assunto fosse tratado imediatamente, ganhando espaço apenas na ociasião da volta da primeira noite de folia. No apartamento, moídas pelo ritmo alucinante que o frenesi impõe, Lana questiona sua anfitriã:
- Alguns músicas daqui falar mal de mulheres. Por que?
- Que nada, amiga. É normal, tudo não passa de uma brincadeira. O que importa mesmo é o ritmo, a alegria. As letras ficam em segundo plano. Tudo não passa de uma brincadeira. Liga não...
- Mas é estranho..parece que homens daqui ter raiva das mulheres. E mulheres gostam.
- Esquece isso, Lana.
As noites seguintes continuaram sendo de muita dança, pulo, grito, êxtase e delírio. A belga confirmou o que diziam do Carnaval de Salvador em tom de concordância absoluta. Aqueles dias ficariam para sempre gravados em sua memória.
Mas era hora de voltar. As cinzas já haviam inundado a quarta-feira e, de volta ao aeroporto, à espera do seu vôo de retorno aos EUA, presenciou uma briga de casal digna de filme francês. Aos gritos e xingamentos, o homem parecia ampliar significativamente a faixa do vocabulário que dá conta dos escárnios e agressões verbais, endereçando as mais terríveis expressões a uma moça que aparentemente se apresentava como uma possível namorada. Gesticulava, veias recortando o pescoço, tomado por um descontrole emocional mensurável pelo grau do vermelho que se lhe apoderara dos olhos.
- Safada! Pilantra! (E, como se frutas dependessem de pilhas para brotarem dos pés) Pilha de uma fruta! - era o texto introdutório das seguidas e variadas expressões neologizadas durante o momento de fúria.
A mulher expelia um som de espanto, gerado pelo ato de puxar repentinamente a respiração para dentro, algo comparável à uma crise asmática:
-Ããããããããããããhn?!
O orador das asneiras batia o pé no chão, alterado, socava uma das mãos espalmadas, esbofeteava o rosto da mulher em ré maior, num estalo agudo de caixa de bateria. E tudo era inacreditavelmente harmônico. Percussivamente sincronizado. Ritmicamente viável.
Lana via aquilo com o ar de incerteza com o qual haveria de retornar ao Mississipi. Aquilo em sua terra era agressão aos olhos dos menos atentos e dos mais detalhistas. Na Bahia não. Qualquer estrangeiro julgaria ser briga, mas podia não passar de performance de dois foliões que não aceitvam o fim da festa. Ela não havia de pagar o mico de tentar socorrer a moça achando que eles estavam, de fato, se desentendendo. Por mais excessivo que parecesse ser aquele número, ela não passaria vergonha em pleno aeroporto.
Embarcou no avião segundos antes da chegada dos policiais, que acolheram a mulher e levaram cativo o compositor.
7 comentários:
Vc já pensou em mandar algum dos seus txts pro Caderno Dez! (http://blogdodez.atarde.com.br), do A Tarde?!
=*
"Embarcou no avião segundos antes da chegada dos policiais, que acolheram a mulher e levaram cativo o compositor".
Vale pontuar a forma de abordagem dos policiais para imobilizar o compositor empolgado:
"no chão, no chão, no chão..."!
***
Imagino a avaliação feita por Lana acerca do amor "maternal" ao ouvir a singela "ta-ta-tapa na caaraah, tapa na caraaaah, tapa na cara, mamãe, tapa na cara, na cara, mamãe..."
Fosse Lana Lá para o Rio, e ela perceberia que esse jeito "original e vibrante" de fazer música e demonstrar afeto não é uma manifestação exclusivamente baiana. Imagino Lana rebolando freneticamente com seu gingado gringo no meio do bonde em um baile funk ao som dos gritos femininos de "um tapinha não dói", intercalados com aquela voz masculina rouca e sexy como o barulho de uma britadeira gritando "só um tapeeeeenha!"
Imagino também Lana se perguntando o que seria esse estranho ritual de enterrar, ou melhor, "atolar" o objeto do seu amor na areia...
***
Quão maravilhosas são as diferenças culturais!
P.s.: concordo com Lai que você deve tentar o Dez.
Pq sumiu daqui?
______
To postando tão depois que nem achei q devia comentar o texto...
Nada de post desde julho?
Tá puxxxxado, ein Toninho?!! =P
bjo!
Rpzz...maaassa, viajei nessa hist�ria. Tudo bemmm real, de onde vc tirou isso? Sempre venho dar uma olhadinha, mas nunca escrevo. :/
Hoje resolvi deixar um recadinho.
:)
Boa tarde!
Meu nome é Anderson, um primo seu chamado Lucas que trabalha comigo aqui em Natal, me indicou o seu blog, eu li gostei bastante dos seus textos, e gostei muito do Jobelga, bastante interessante e divertido.
Parabéns!
E um Feliz Natal
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